A maneira que encontrei de lidar com a sombra na minha frente
Estava no bar de um restaurante ao lado de casa outro dia, aguardando para ser levada à mesa, quando um morador das redondezas puxou conversa. Perguntou o que eu fazia. Expliquei que era coach e terapeuta holística e ele pareceu bastante intrigado (“inconformado” descreveria melhor). E então perguntou: “mas o que você realmente quer fazer da vida?” Ao que eu respondi: “eu já estou fazendo o que quero da vida, pensei que tivesse acabado de explicar. Pra mim é um privilégio poder ajudar as pessoas em seu desenvolvimento, em fazer o que podem para alcançar seu potencial.” E então um homem da mesa de trás disse, num tom jocoso: “John, ela pode ajudá-la a alcançar seu potencial! Imagine isso! Por que você não a contrata?”
Naquela mesma semana eu tinha tido um sonho. Não sou muito de ter sonhos onde a lição é clara, mas neste um palestrante me dizia: “você tem que perguntar ‘por que?’ três vezes, só aí você vai achar a resposta. Às vezes a própria terceira pergunta é a resposta.”
Ao chegar em casa, resolvi fazer o exercício:
– “Por que continuo atraindo gente que ri do meu trabalho?”
– Porque eu mesma não me levo a sério.
– Por que eu não me levo a sério?
– Porque apesar de todo o feedback que recebo sobre o meu trabalho, tem algum lugar lá no fundo que acha que sou uma farsa.
– Por que acho que sou uma farsa?
– Porque por mais que eu faça, nunca acho que é o suficiente: não medito o suficiente, não estudo o suficiente, não purifico o meu canal o suficiente.”
Ou seja, aquele homem só estava espelhando o que estava dentro de mim mesma. Os pensamentos de dúvida que eu tenho sobre mim mesma, como se não bastassem ocupar minha mente, estavam agora materializados nas vozes daqueles dois homens.
Apesar de ter trazido a situação pra mim e ter feito um questionamento interno, uma coisa ainda estava me incomodando: embora tenham me mostrado a minha sombra, o quanto aqueles dois homens estavam isentos de responsabilidade?
Joguei esta pergunta numa rede social e recebi vários conselhos, um deles muito valioso: que eu considerasse estas pessoas única e exclusivamente como uma manifestação do meu subconsciente para me mostrar algo que preciso trabalhar em mim.
Esta tarefa não é fácil. Uma das razões é que eu não vejo esta minha sombra personalizada em uma mulher, por exemplo. Com exceção de uma única vez que uma mulher questionou como eu exercia a profissão de coach sem ter um diploma de psicóloga, fato é que eu recebo este tipo de comentários vindo de homens.
Acho que ainda temos um caminho longo pela frente em reeducar a maneira com que os homens se comunicam conosco. Então a forma que encontrei de lidar com este tipo de situação foi fazer as duas coisas: não tirar a responsabilidade sobre meu trabalho interno e culpar o outro, mas também não me furtar de mostrar àquela pessoa que o jeito que ela se comunica é desrespeitosa (ou pelo menos é como eu me sinto sobre a maneira de ela se comunicar, como se diz na Comunicação Não-Violeta).
E uma arma que tem sido bastante importante neste trabalho é ter me educado sobre quatro maneiras que os homens têm de se comunicar, muitas vezes sem se aperceberem disto:
– Mansplaining – união das palavras man (homem) + explaining (explicar): quando um homem explica didaticamente uma coisa óbvia para uma mulher, como se ela fosse incapaz de entender, ou ignorando o fato de que ela já sabe (como dirigir, por exemplo);
– Manterrupting – união das palavras man (homem) + interrupting (interromper): quando um homem interrompe uma mulher porque acha que o que ele tem pra falar é muito mais relevante do que o que ela está falando (ou talvez só porque ele acha que pode);
– Bropriating – união das palavras bro (mano) + appopriating (explicar): quando um homem se apropria da ideia de uma mulher;
– Gaslighting – expressão tirada de um filme com o mesmo nome: quando um homem manipula uma mulher psicologicamente de tal maneira que ela comece a duvidar de sua sanidade mental. Não, isso não acontece só em filmes – quando um homem diz uma coisa e depois nega que disse, quando te chama de louca etc, tudo está aí dentro deste pacote.
O que faço agora quando acho que estou passando por alguma dessas coisas, pergunto para a pessoa: “você sabe o que é manterrupting?” e se ela não sabe, explico. Normalmente o que acontece é que a pessoa tem uma tomada de consciência e é obrigada a olhar para aquilo, para o quanto ela usa aquilo. E fica mais impessoal do que dizer: “você me interrompe toda hora”. E então eu deixo ela lidando com a sombra dela, e vou lidar com a minha.