“Um órgão dos sentidos saudável, nunca transmite uma falsa impressão.” Esta frase do Dr. Norbert Glas resume bem a importância de entendermos nossos sentidos. Para a Antroposofia, filosofia criada por Rudolf Steiner, eles não são cinco, mais doze.

Um órgão problemático não só nos dá uma impressão incorreta sobre o mundo externo, mas também tem um impacto grande na nossa vida anímica, ou se nos sentimos com ou sem energia, e ainda no nosso sentido de liberdade, principalmente à medida que envelhecemos.

Segundo Glas, “envelhecimento, num certo sentido, é a extinção gradual das funções sensoriais.”

Um olhar atento sobre esses órgãos pode ainda ajudar a diminuir problemas como a perda de memória: o mesmo “órgão” (corpo etérico) responsável por ela é também o que comanda os sentidos e a formação do corpo físico.

Uma das coisas mais importantes que podemos fazer à medida que o tempo passa, é não nos identificarmos com as limitações do corpo. Ao entendermos o assunto, saberemos o que podemos fazer a partir de hoje para uma melhor qualidade de vida.

Rudolf Steiner classificava os doze sentidos em três grupos de acordo com o organismo trimembrado: 

  • pensar (cabeça): sentidos da audição, da palavra, do Eu do outro, intelectual
  • sentir (tronco): olfato, paladar, visão, calor
  • vontade (membros): tato, sentido da vida, movimento, equilíbrio

Com o envelhecimento, as forças antes usadas para a formação desses sentidos podem ser metamorfoseadas em outras qualidades anímicas.

1) Sentido da vida

O “sentido da vida” tem a ver com bem-estar; é aquele que transmite informações sobre o nosso corpo.

Um único órgão doente afeta o bem-estar de todo o corpo – pense como uma coisa simples como uma dor de cabeça, por exemplo, pode acabar com o dia de uma pessoa. Isto acontece porque a harmonia é perdida. 

Um sentido da vida enfraquecido leva ao pessimismo e cansaço extremo. 

O álcool pode dar a falsa sensação de “vida” por prover estímulo, euforia, “calor”, sentido sobre o qual falaremos abaixo. Por isso muitas pessoas infelizes com seus trabalhos, com seus relacionamentos etc recorrem à ele.

A falta de entusiasmo trazida por manter um trabalho que se despreza também “desvitaliza”.

Com a idade, há o perigo de se ficar muito focado no mal-estar do corpo: as dores, o sono, a falta de vigor físico. A pessoa identificada com os processos do corpo acaba não aproveitando o que está acontecendo de melhor: sua sabedoria, consciência e o que pode agora doar ao mundo como experiência.

Por isto também é indicado, para revitalizar,  fazer atividades que não sejam para o nosso próprio benefício: cuidar de uma criança, fazer algo para algúem, doar conhecimento para o mundo.

2) Sentido do movimento

O movimento é o sentido relacionado aos nossos membros, coluna etc. O levantar-se e andar da infância, possibilitou a conquista de um espaço individual e independência. Por isto, está ligado à nossa autonomia.

Com a idade, a falta de entusiasmo e a diminuição das forças físicas resulta em enfraquecimento da vitalidade, o que afeta este sentido, levando a nos mover menos. Isto traz uma sensação interna de perda de liberdade como ser humano.

É importante, portanto, adquirir durante a vida um sentido interno de liberdade que nos dê a certeza de algo que a constrição física não pode tirar.

Ainda, manter uma agenda de atividades diárias ajuda a manter o senso de movimento em dia.

Há um outro lado, porém, que pode vir com a idade, que é o do excesso do sentido de movimento: isto pode trazer o desejo exagerado por novidades, o que vai estimular que nosso temperamento vá excessivamente para o lado sanguíneo (ter interesse por tudo, inquietude), quando nesta época as qualidades anímicas a serem desenvolvidas são a perseverança e estabilidade.

Você pode pensar: ” mas e se a pessoa quiser ter interesse por tudo, qual o problema?” O problema maior é que ela vai estar remando contra a maré. As qualidades morais, anímicas, têm o desenvolvimento favorecido na idade prateada. É como se quiséssemos plantar ervas no inverno ao invés de na primavera. 

3) Sentido do equilíbrio

O sentido de equilíbrio possibilita se orientar num determinado espaço. Proporciona um senso de segurança em relação ao nosso entorno. Está intimamente ligado ao sentido do movimento, porém leva a autonomia conquistada a outro nível (espiritual) – pense em quantas vezes usamos a palavra equilíbrio para nos referirmos a um estado anímico?

Como funciona este sentido à medida que envelhecemos? 

Se um equilibrista fosse excessivamente consciente de si mesmo, não conseguiria fazer o que faz. O que o mantém sob a corda é o fato de ele estar à vontade em conexão ao seu entorno, como se tivesse um senso de independência em relação à seu corpo, ou seja, à matéria.

Da mesma forma, à medida que nos desprendemos da “matéria”, tanto no sentido de renúncia e altruísmo, mas também de não estar tão identificado com os limites físicos do corpo (falar só de doenças, achar que não pode fazer mais nada porque está envelhecendo etc), esta capacidade de equilíbrio interno aumenta.

A ideia é lembrar que ao envelhecermos as nossas forças físicas diminuem, mas as forças anímicas, a sabedoria, aumentam. O que podemos fazer com o que temos? 

4) Sentido da palavra

O sentido da palavra refere-se ao entendimento, não apenas no sentido intelectual, mas no que há por trás da palavra.

Quando fortalecido, estimula a coragem. Porém, quando mal utilizada, leva ao medo.

Um exemplo do mal uso da palavra é a intelectualização excessiva, que leva a um endurecimento do ser humano: a pessoa fica muito no âmbito do pensar e enfraquece o sentir.

Outro exemplo atual que temos do mal uso da palavra é a questão da mídia: más notícias o tempo todo, estimulando o sentimento do medo

Também já falamos neste artigo sobre a importância de fazer o que se fala (tanto no sentido de cumprir, como de ser coerente).

Alguns exercícios para o sentido da palavra: ler em voz alta ou a Euritmia, que é uma espécie de dança introduzida pela Antroposofia.

5) Sentido intelectual

O sentido intelectual é aquele responsável por entender as ideias. Pode ser prejudicado pela educação ou circunstâncias externas, ou ainda caso não seja equilibrado com o sentir (ex: atividades artísticas) e o querer (ex: caminhadas, colocar projetos em ação).

Se estimulado muito cedo, pode ocasionar a perda precoce de memória e problemas neurológicos conforme envelhecemos.

Este sentido é fortalecido pelo silêncio interno (contemplação) para que as ideias penetrem nosso ser e então possam ganhar vida. Segundo Gisela O´Neil, “cada ideia que não se torna ideal, mata uma força em sua alma; cada ideia que se torna seu ideal, cria dentro de você forças vitais.”.

Qual o perigo, com a idade, de um sentido intelectual enfraquecido? Quanto mais o campo de ação (vontade, querer, “will”) da pessoa ficar restrito, mais comprometida fica a capacidade de assimilação de novas ideias. 

É um pouco similar com o que acontece com o sentido do paladar: quanto menos variedade você tem na sua dieta, menos coisas novas quer experimentar.

Desta falta de aceitação de novas ideias vem também o saudosismo, ou seja, querer que o mundo fosse como quando conseguia compreendê-lo.

No próximo artigo, falaremos sobre outros sete sentidos.